sexta-feira, 28 de março de 2008

"Você só ganha o que você merece"



Ontem dormi mal. Tive pesadelos. Era já de manhã - lembro-me de ter olhado para o relógio minutos antes - quando ouvi alguém falar em Portishead. Entrei em transe. Tentei virar-me. Esticar o meu braço direito epiléptico. Tocar no que me parecia ser um bilhete. Mas não conseguia. Aliás, não conseguia sentir nada. Era como se, envolto numa cápsula de outro tempo, fosse só alma neste em que vivemos. E deu-me toda a impressão de abanar-me a cabeça, todo eu alma tive essa impressão na certeza de que já não conseguiria agarrar bilhete algum.

quarta-feira, 19 de março de 2008

He's jazzed up and ready to go


Há qualquer coisa de muito evidente num pardal que mia. Precisa de ajuda. Não ele, claro. Aquele que acreditar nisso.

Há coisas maiores que o seu tamanho. Cheias que transbordam. Tanto para dar. Hoje quero dizer o quanto acho brilhante que um violinista inglês, ao misturar lamentos árabes, jazz e música clássica, consiga redimir o mundo numa canção.
Oh... “song for world forgiveness”. Matamo-nos, é só ligar a televisão. Talvez por isso a conta da luz cá em casa esteja cada vez mais baixa. E depois Nigel Kennedy redime-nos em pouco mais de sete minutos. Última faixa de “blue note Sessions”, disco de 2006 onde o violinista inglês faz-se acompanhar por músicos como Joe Lovano ou Raul Midón.

“The piano it’s just there. It makes a very decent noise whatever you do on it.”

Pode parecer insolente que alguém queira organizar o nosso caos, e depois celebrá-lo em tão pouco tempo. Mas há os génios. É tão bom falar de coisas simples. Génio é aquele que tudo simplifica, e a quem nós respondemos “é isto, claro!" - quando nunca o pensámos antes. Há coisas que são nossas. Há fotografias que já tirei em locais onde nunca estive. Nem estarei. Mas já lá tirei inúmeras fotos. E garanto que são lindas.

“I’m so conscious that jazz is a live music.”

Não é exactamente fácil encaixar um perfil em Nigel Kennedy. Aos 51 anos, o violinista britânico tem um corte de cabelo mais próximo de quem anda pelos 20 - e já era um prodígio aos dez. Tocava Vivaldi, o que é pelo menos assustador numa idade em que devia esfolar os joelhos na rua. Atrás de uma bola. E tem uma figura descabelada que lembra, por vezes, um quixotesco Jack Nicholson a voar sobre o seu ninho de cucos.
Kennedy nasceu na Inglaterra profunda, berço de classe operária – mas faz sotaque Mockney. Aquele que fica bem. “É postiço”, entoa em conjunto meia Inglaterra. Gera poucos consensos, é certo, e não ajuda nada ao suportar a sua música na fusão de géneros intocáveis. Não aparece nas revistas, em festas girérrimas. Não procura a objectiva babada por um ângulo que dê furo de capa. E contudo, assalta-nos de violino em punho com uma confiança que rapidamente nos varre a dúvida. Sermão? Seja, mas ninguém encontrará um dedo indicador apontado nesta canção. Esse, garante o próprio Kennedy, está bem direccionado ao teatro predilecto (porque vermelho) das televisões. Israel.

“I was shocked to see these walls, it’s a new apartheid, barbaric behavior: How can you impose such a collective punishment and separate people? After all, we are all living on the same planet. It seems do me the world should have already learned from what happened in South Africa. And a country that hasn’t learned should be boycotted, so that’s why i don’t perform in your country.”

Quando ouvimos esta "song for world forgiveness", e este disco, não é exactamente fervor o que se sente. É paz, o que por vezes sabe melhor.